She-ra e as Princesas da Individualidade

Uma nova geração pede novos desenhos! Assim, das mudanças de paradigmas que ocorrem ao longo do tempo, surgiram e surgem muitos desenhos com perspectivas divergentes das anteriores. Por isso, as animações antigas vêm sofrendo com a era da transformação, na qual a nostalgia e a nova perspectiva se aliam para trazer algo supostamente inovador. Diga-se de passagem, temos como exemplo o Império do Mickey Mouse e seu apelo para os live-actions.
No meio disso, desenhos como “Os Jovens Titãs” se tornaram “Jovens Titãs em Ação” e “She-ra, a Princesa do Poder” se tornou “She-ra e as Princesas do Poder”, buscando bater de frente como uma era de extremos e passando ensinamentos morais de integralidade, aceitação e naturalidade à inclusão social.
MUDANÇA QUE COMEÇA PEQUENA
A mudança começa pequena mesmo. She-ra deixa de ser autocentrada, se chamando de a única “princesa do poder”, para dar reconhecimento às suas companheiras (e companheiros) em um título que inclui “e as princesas do poder”. A questão é bem singela aqui… She-ra, como uma boa produção de streaming da aclamada Netflix, não poderia deixar de dar espaço para o coletivismo e para a inclusão social, temáticas frequentemente abordadas nos desenhos atuais. Por isso, abriu espaço para todos os personagens, desde o título até o enredo, promovendo a ideia de que todos fazem parte de algo maior.
Em virtude disso, entendemos que os personagens de She-ra possuem profundidade e uma jornada de desenvolvimento bem colocada, como a protagonista da honra de greyskull.
SUTIL, MAS CERTEIRO
Seguindo essa linha de pensamento, na qual pequenas diferenças fazem a grande mudança acontecer, nós começamos com a caracterização dos personagens.
Um concept art bem trabalhado, faz toda a diferença, não é mesmo?! Por isso, She-ra buscou explorar as potencialidades dos personagens de seu universo antigo e usou isso como pretexto para promover as individualidades de cada um e as características de suas aparência, os tornando únicos.
Um exemplo disso é o Arqueiro. Antes: ruivo, branco, alto e musculoso. Hoje: negro, baixo e com zero masculinidade frágil. O personagem empunha seu arco e flecha e carrega o seu coração não somente em sua armadura, mas também em seus ataques!
O personagem foi desenvolvido com garra e vigor, marcando presença pelo seu alívio cômico. No entanto, com um teor firme que mantém todos unidos, pois ele carrega o lado mais sentimental do ser humano. Vale ressaltar, também, que ele tem pais gays e que o desenho apresenta isso com muita naturalidade, mostrando que ele enfrenta embates familiares tidos como comuns para qualquer família, como a escolha da carreira a ser seguida.
Outro exemplo, muito prático, são as próprias princesas do poder. Antes: todas brancas, magras e hiperssexualizadas, seguindo o clássico padrão objetificador. Em contrapartida, atualmente, a construção das personagens está focada em abranger a diversidade, com o intuito de causar maior identificação de seu público, não reduzindo as princesas a sua aparência. Assim, temos um casal lésbico, temos princesas negras com undercut, temos princesa criança, temos princesa hippie, temos princesa gordinha, temos a princesa musculosa… Enfim, temos princesas com suas individualidades e com suas características muito bem marcadas..
Desse modo, o que faz das princesas que acompanham She-ra tão especiais são suas personalidades divergentes, mas que combinam muito bem juntas. Além disso, a própria temática busca promover a ideia de que as princesas devem se unir para conseguirem derrotar um inimigo em comum.
O fato principal é que isso tudo é transmitido de forma natural. She-ra coloca suas personagens em posições tão especiais e mostra a integridade de ser real e de aceitar ser quem você é. Exemplo disso é a princesa mais marcante: Scorpia. Musculosa, venenosa e com tudo para ser brutal e feroz. No entanto, Scorpia é um poço de amor, carinho e atenção, buscando entender quem ela é e como isso a torna tão poderosa.
TÁ, MAS E A SHE-RA?
Lembra da irmã do He-man? Lembra que ela era sensual, que a armadura mostrava uma sainha curta, peitões e toda aquela pose de mulher ideal para ser a única princesa do poder? Vamos jogar isso fora e vamos buscar trazer a nova perspectiva!
She-ra, de fato, continua loira e com olhos azuis, mas está longe de atingir os padrões estereotipados. She-ra é Adora, mantendo a história original, uma garota adotada pelos inimigos e criada para ser uma pessoa horrível. Entretanto, eles foram muito mais a fundo com a personagem nesta nova versão. Agora, a princesa é uma humana mais do que nunca. Confusa por ter sido criada de uma forma que a condicionou a encarar a realidade de um jeito totalmente diferente.
Ela se torna She-ra quando começa a questionar aquilo que conhece, sendo o estopim para que ela decida colocar a cabeça no lugar e buscar um novo sentido para sua vida. Logo, a personagem passa por embates morais, emocionais e, principalmente, sociais quando percebe que deve enfrentar sua melhor amiga, Felina, que insiste em ainda ser do mal.
Sobre sua armadura? É bem simples. Um shortinho básico, uma espécie de saia, ombreiras, a espada luxuosa e as botas (nada de salto para lutar, meninas, pois não deve ser nada confortável como dizem). Ela é realmente uma guerreira e uma princesa que surge para proteger o mundo de Hordak.
She-ra é o foco, podemos ver a evolução de uma personagem que carrega uma enorme responsabilidade nas costas, muitas vezes tendo que fazer escolhas pesadas e lidando com as consequências delas logo em seguida. Entretanto, ela sempre faz isso com estilo e busca a sabedoria acima de tudo. Adora mostra que ser She-ra é muito mais do que carregar a espada e ter super-poderes (fato esse que supostamente será mais trabalhado na quarta temporada que está a caminho).
POR FIM, O ENREDO VALEA PENA?
Vou ser direto… Vale a pena sim!
A questão é que vale muito a pena assistir a nova adaptação de She-ra, não só pela naturalidade como ela mostra as individualidades de cada personagem, mas também pelo enredo que se torna consistente e mais aprofundado.
Se antes você via uma She-ra impedindo um cara mecânico e louco de dominar o mundo mágico, agora, temos uma trama muito maior e cheia de plot twists que nos instiga a acompanhar como os personagens irão lidar com cada situação. A verdade é que cada indivíduo em She-ra tem um crescimento conciso diante das adversidades que enfrentam.
Problemas de relacionamento -digo os relacionamentos de amizade- são muito coerentes, correspondem com as fases e as características de cada personagem e não são facilmente resolvidos (nada de música emotiva, luta contra um inimigo comum, e pronto, somos amigos de novo). Além disso, a animação conta com um enredo interessante e que parece estar pronto para se expandir com a quarta temporada.
O desenho revela a essência de uma sociedade que precisa se unir, perante as individualidades de cada um, para enfrentar um sistema opressor (parece até com o mundo real, não é mesmo?). E ainda mostra, com naturalidade, que todos devem buscar ser íntegros e firmes no que são e que está tudo bem ser diferente!
Agora é sua vez de conferir a animação e nos contar o que achou!
Revisado por Tayane Arantes Soares